Opinião

 ASSOCIAÇÕES: LIMITES PARA A ELABORAÇÃO DE CLÁUSULAS ESTATUTÁRIAS  

 

 

As associações nascem da união de pessoas que se organizam com objetivos comuns, sem finalidade econômica. Com o registro de seu Estatuto, desperta a Associação para o universo do direito, materializando-se como pessoa jurídica e passando a ser sujeito de direitos e obrigações.

Se o quadro associativo é o seu corpo, a alma da associação é o seu Estatuto. O Código Civil de 2002 estabeleceu em seu art. 54 que, sob pena de nulidade, o estatuto de uma associação deverá conter sua denominação, seus fins, o endereço de sua sede, os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos seus associados, bem como seus direitos e obrigações, as fontes de recursos para sua manutenção, o modo de constituição e de funcionamento de seus órgãos deliberativos, as condições para a alteração das disposições estatutárias, ou para sua dissolução e a forma de gestão administrativa e da aprovação das suas respectivas contas. E ainda, em seu art. 55, estabeleceu que os associados devem ter iguais direitos, admitindo-se que sejam instituídas categorias com vantagens especiais.

Tais exigências, entretanto, não impedem que a Assembleia Geral aprove outras disposições estatutárias, ou mesmo que altere as existentes, obedecidos, é claro, os formalismos estabelecidos na lei, e no próprio Estatuto da entidade.

A pergunta que pode surgir quando se reflete sobre a liberdade de associação garantida pela Constituição Federal (art. 5º, XVII), e a previsibilidade de cláusulas estatutárias que vão além das exigências do Código Civil envolve a hipótese de limites para a formulação de tais cláusulas, ou seja, existem limites que não podem ser ultrapassados quanto à formulação das cláusulas de um Estatuto Associativo?

Preliminarmente, devemos lembrar que a liberdade de associação outorgada pela Constituição Federal não a exclui do sistema jurídico nacional, circunstância que insere as cláusulas estatutárias de seu Estatuto no regime de compatibilidades normativas, de tal forma que suas previsões jamais poderão se opor às leis pátrias.

Se uma cláusula estatutária estiver contrariando dispositivo de lei que obrigue hierarquicamente a Associação, ela apresenta incompatibilidade vertical com o sistema jurídico existente, e não poderá ser imposta, sob pena de invalidação judicial de todas as consequências prejudiciais que a referida imposição vier a causar, e sem prejuízo de possíveis reparações de dano.

Admitamos, por exemplo, que uma determinada Associação apresente cláusula estatutária que prevê imediata aplicação de pena de suspensão ao associado que levar à discussão do Poder Judiciário aspectos internos do funcionamento da administração associativa.

Tal cláusula apresenta veemente incompatibilidade vertical com o sistema jurídico brasileiro, pois a Constituição Federal em seu art. 5º, inc. XXXV, estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Convém frisar que o entendimento cabível neste caso à ideia de “lei”, envolve qualquer ato de natureza normativa, estando nele incluído o conceito de Estatuto.

Certamente, a punição de suspensão imposta a associado que optou discutir seus direitos na esfera judicial, com base naquela previsão estatutária, será nula de pleno direito, e a associação responderá, inclusive patrimonialmente, pela lesão de direito que ocasionou pela inobservância à regra da compatibilidade vertical estabelecida em seu estatuto.

Portanto, um primeiro limite à elaboração e/ou alteração estatutária envolve a obrigação de observância à lei, e à compatibilidade de suas regras com o sistema jurídico nacional.

Existe, entretanto, outro limite que também não pode ser ultrapassado.

O Código Civil, em seu art. 55, como já mencionamos acima, estabeleceu que os associados devem ter direitos iguais, não se podendo concluir que a permissão legal inerente à criação de categorias com vantagens especiais signifique atribuir direitos diferentes. Como assevera a lei, os direitos devem ser iguais, e as vantagens especiais não se confundem com o universo dos direitos.

Dessa forma, todos os associados, por exemplo, tem direito de votar em Assembleia, mas só uma categoria especialmente definida, como a daqueles associados que completaram cinco anos de filiação poderão receber a especial vantagem de pagar sua mensalidade com redução de percentual previamente estipulado.

Toda cláusula que afete diretamente um específico direito associativo atribuído à coletividade, e subtraído por direcionamentos interesseiros ou discriminatórios, apresenta vício de validade. Admitamos, por exemplo que, pretendendo a perpetuação no poder, determinada diretoria associativa manipule alteração estatutária que crie requisito para a candidatura aos cargos eletivos, requisito este que somente poderá ser preenchido pelos integrantes da própria diretoria vigente. Tal cláusula apresenta vício de validade por subtrair do associado o seu inerente direito de ser votado, e por acarretar a ininterrupta consequência da recondução permanente dos membros da mesma diretoria executiva a cada novo pleito eleitoral, normalmente finalizado pelo ato de aclamação.

Por esta razão, ao se elaborar um Estatuto, ou ainda, ao se apresentar uma proposta de alteração, deve-se analisar criteriosamente as cláusulas em discussão, para que a associação não incorra em incompatibilidades, ilegalidades e/ou divergências que comprometam a congruência de interesses que devem sustentar os objetivos institucionais traçados pelos fundadores da associação.

Dr. Anderson Durynek

Advogado Sócio-Diretor

Santos & Durynek – Sociedade de Advogados

 

 

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